Gordofobia e o estigma do peso em crianças, adolescentes e adultos.
Atualizado: 30 de abr. de 2021
Recentemente, o termo gordofobia tem ganhado bastante destaque nas redes sociais. Mas você sabe o que ele significa? Ele está relacionado não só à todos os estigmas atribuídos ao corpo gordo (nojo, pena, ódio, preguiçoso, doente, sem força de vontade, porco, desnecessário, irresponsável), mas também à exclusão e à perda de direitos e de acessibilidade pela pessoa gorda.
E de fato, os direitos que são perdidos são muitos! A pessoa gorda não é contratada em empregos, os assentos do avião são muito pequenos, as catracas do ônibus também, as roupas que as indústrias da moda produzem são em números muito pequenos, e até as cadeiras da fila de espera do consultório médico, as macas e equipamentos de ultrassonografia também não são feitos para esses indivíduos. Existem, por exemplo, relatos de pessoas gordas que, por falta de equipamentos que dessem acessibilidade ao seu corpo, foram encaminhadas para um hospital veterinário para realizar exames.
Tem-se um discurso na sociedade de que elas precisam “cuidar da saúde”. Mas como ela vai acessar os serviços de saúde se ela não consegue nem chegar lá? Se ela vai numa academia, os vários olhares a julgam, se ela vai no profissional de saúde, muitos falam que ela precisa emagrecer, sem nem examiná-la ou realizar uma escuta de suas dificuldades e de seu sofrimento. Ela deixa de usufruir a cidade, de ocupar os espaços públicos e de reivindicar os seus direitos porque isso não é permitido à ela.
E em crianças e adolescentes? Como ocorre o estigma do peso e a gordofobia? Os estereótipos atribuídos ao corpo gordo se iniciam aos 3 anos de idade, normalmente ocorrendo na forma de assédio, provocação e bullying. O estigma contribui para mudanças no comportamento como comer compulsivo, isolamento social, evitar serviços de saúde, diminuição da prática de atividade física e aumento do ganho de peso com o passar do tempo.

No âmbito escolar, os educadores apresentam menores expectativas em relação ao desenvolvimento pessoal, acadêmico e social de crianças gordas. Os profissionais de saúde consideram um paciente com obesidade como hostil, desonesto, sem higiene, preguiçoso, com falta de controle e menos inteligente. Nos programas de televisão e desenhos animados infantis, personagens magros normalmente são retratados como pessoas populares, divertidas e gentis, e em contrapartida, os personagens gordos são agressivos, vilões, não populares e não saudáveis.
O estigma do peso também pode ocorrer dentro de casa, pela própria família, e por ocorrer onde se vive, acaba perdurando por um longo período e geram consequências emocionais que repercutem inclusive na vida adulta. Em comparação à adolescentes magros, os adolescentes gordos têm mais chances de sofrerem isolamento social, e violências verbais, físicas, na internet (cyberbullying) e nas relações sociais. Além disso, por conta desse estigma e violência, eles são mais susceptíveis a desenvolverem ansiedade, depressão, baixa auto-estima, e maiores chances de evasão escolar e abuso de substâncias.
Devemos ressaltar que as consequências emocionais do estigma continuam na vida adulta e por isso, é de extrema relevância que a gordofobia seja abordada e desconstruída desde a infância, tanto nas escolas, como nos serviços de saúde e na mídia!
Você já parou para pensar que a ditadura da beleza é tão cruel, que expressões gordofóbicas estão extremamente presentes em nosso vocabulário? A pessoa gorda torna-se um sujeito “apático, preguiçoso, sem iniciativa, que só sabe comer besteira, sem força de vontade, sem saúde, sem valor, sem higiene”. Essas representações vão sendo incorporadas de tal maneira no nosso linguajar, que só aumentam o estigma e o preconceito, gerando violência e exclusão.
Quando falamos por exemplo: "Vou fazer uma gordice", damos a entender que iremos comer que nem uma pessoa gorda, ou seja, de forma exagerada, em grandes quantidades, com alimentos extremamente calóricos. No entanto, isso não é verdade! Uma pessoa gorda pode ter uma relação super saudável com o seu corpo e a comida, assim como uma pessoa magra só está dessa maneira porque tem uma relação disfuncional, tem um transtorno alimentar, pratica restrições alimentares e por aí vai…
É importante também relembrar que 95% da população mundial não tem o biotipo magro e musculoso propagado pela mídia, e que nunca vai conseguir atingir esse padrão. Então porque ainda passamos a vida inteira tentando emagrecer, nos privando da comida, do alimento e do nutrir? Precisamos promover a aceitação e inclusão de todos os corpos e dar um chega pra lá nesse padrão opressor!
Diante deste cenário, é muito comum as pessoas procurarem um nutricionista desejando diminuir o peso e emagrecer. Metas e mais metas, quilos e mais quilos, dietas, restrições, prescrições.... e parece que a situação nunca muda! E se nós deslocássemos o olhar do peso, não o tornando o foco do cuidado em saúde? Até porque, esse número, muitas vezes é controverso, e não indica e nem dá uma visão da saúde de forma integral e ampliada.
E se olhássemos então, para o indivíduo e sua demanda, com suas complexidades, seus determinantes sociais, para além de um diagnóstico ou número na balança? Acolhendo-o de maneira humanizada e sensível, ressignificando o sofrimento, e buscando novos modos de produção de cuidado, levando em consideração ainda, sua atitude alimentar, seus comportamentos, sentimentos, crenças, pensamentos e relação com o corpo e a comida?
A intenção aqui não é só olhar de maneira ampliada para estas questões objetivando apenas a mudança de comportamento! A forma com que cada um se relaciona com o corpo e a comida é singular, é muito único! Precisamos entender ainda, qual a função daquele comportamento para um indivíduo, e fazer uma escuta de como este comportamento atuou na construção da sua subjetividade e história de vida! A verdade é que temos tantos aspectos para olhar... Então por que somente focar no peso?
E se buscarmos uma relação saudável com o corpo e a comida, independentemente do tamanho do nosso corpo, ter momentos de lazer, ter relações sociais saudáveis, cuidar e acolher os nossos sentimentos, respeitar os nossos aspectos sócio-emocionais, ser protagonista da nossa história e ter autonomia em nossas decisões? Será que o meu corpo é a minha aparência, ou é um corpo que me movimenta, me sustenta, carrega minha vida, meus órgãos, um coração batendo...?
Nós convidamos que, de maneira genuína, gentil e não julgadora, você escute e reflita sobre estas questões, para que dê maior atenção aos significados e aos valores que você atribui à sua saúde, e se eles, de alguma maneira, estão lhe ocasionando sofrimento e angústia.
Referências:
ALVARENGA, Marle et. al. Nutrição Comportamental. 2019. São Paulo: Editora Manole (2ª ed.)
PONT, Stephen J. et. al. Stigma Experienced by Children and Adolescents With Obesity. PEDIATRICS, 2017.
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