Por que crianças autistas têm mais chances de terem dificuldades alimentares?
No post anterior, falamos sobre o que são dificuldades alimentares e como elas são mais comuns do que parecem! Estima-se que cerca de 20% a 60% dos pais tenham alguma preocupação com a alimentação da criança, e que de 8 a 50% das crianças possam apresentar dificuldades alimentares, a depender do critério diagnóstico que o profissional de saúde utilize, uma vez que ainda não existe uma padronização e um consenso em relação aos termos.
Neste contexto, devemos dar especial importância caso a criança seja autista, que pode ter 5x mais chance de apresentar dificuldades na alimentação do que aquelas que não são. Isso porque crianças com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) apresentam particularidades que influenciam no seu funcionamento , como dificuldades na comunicação e na interação social, interesses restritos, comportamentos repetitivos e estereotipados, sendo comum também, prejuízos na integração sensorial.
Assim, este modo de funcionamento pode influenciar diretamente na alimentação, gerando diversos desafios: seletividade, aversões sensoriais, comportamentos restritivos, alterações de apetite, prejuízos na motricidade orofacial e na motilidade gastrointestinal, fuga de relações sociais que envolvam o alimento e a interação com o outro, rigidez na rotina, dificuldades nas habilidades alimentares, bem como as próprias dificuldades dos cuidadores e da escola de lidarem com estes comportamentos.

Devido à estes fatores, alguns estudos orientam por exemplo, na tentativa de melhorar essas dificuldades, a implementação de uma dieta restrita em glúten e/ou caseína, com a utilização de suplementos e fitoterápicos. Entretanto, estas pesquisas até o momento fornecem resultados inconclusivos, conflitantes, com uma série de falhas metodológicas e de baixa qualidade, gerando inclusive um posicionamento da Sociedade Brasileira de Pediatria contra este tipo de intervenção dietética quando não há um alergia ou intolerância alimentar associada.
É importante ressaltar que a exclusão destes alimentos pode implicar em diversos prejuízos no comportamento alimentar das crianças autistas, além da família como um todo. É necessário refletir que com essa conduta, todos os alimentos derivados do leite (leite, queijos, iogurtes, sorvetes, etc) e do trigo, aveia, centeio e cevada (pães, macarrão, bolos, biscoitos) serão removidos da alimentação da criança, que muitas vezes, já é altamente restritiva, ocasionando dessa forma, sofrimento, estigmatização, dificuldades de socialização e comprometimento da rotina da família.
Uma vez que o estudo do TEA e das demandas de saúde mental pelo profissional nutricionista é recente, as condutas e o tratamento ainda se baseiam muito em suplementação, modificações dietético-nutricionais ou adequação nutricional da dieta. No entanto, como falamos anteriormente no post sobre dificuldades alimentares, uma vez que o comportamento alimentar é complexo, determinado por fatores biológicos, psíquicos, sociais, econômicos e culturais, o nutricionista, durante o tratamento, necessita considerar não só os sintomas orgânicos, a integração sensorial e o estado nutricional da criança, mas também sua história de vida, seus desejos, comportamentos, preferências, desejos, emoções e rotina.
Um dos principais recursos terapêuticos que deve ser utilizado para este fim é o brincar, sendo uma das principais maneiras pela qual a criança se comunica e compreende o mundo à sua volta. É importante não só identificar estas questões, mas, por meio de uma escuta qualificada, sensível e humanizada, auxiliar a família, por meio de um suporte emocional, a ressignificar os possíveis pensamentos e emoções que possam estar gerando sofrimento.

Durante o processo terapêutico a escuta da família é essencial. Isso porque os cuidadores normalmente se sentem culpados e responsáveis por esta situação e acabam não conseguindo ter refeições em família e evitando momentos em público. Além disso possuem sentimentos de medo, angústia e impotência e podem utilizar pressões verbais e emocionais na tentativa de fazer a criança se alimentar. Desta maneira, é muito importante que haja uma escuta e o acolhimento da criança e de sua família, para que se tenha uma melhor compreensão das associações e representações em torno da alimentação. A observação da interação, dos estilos parentais e da relação entre criança e cuidador também se torna importante para o reconhecimento de vínculos disfuncionais que possam por algum motivo, gerar barreiras na adesão ao tratamento.
Por fim, para que o cuidado ocorra da melhor maneira possível, é relevante que a criança seja avaliada por uma equipe interdisciplinar, para que assim, todos os aspectos biopsicossocioculturais e relacionais envolvidos nessa dificuldade sejam considerados. Desta maneira, a construção compartilhada de um cuidado envolvendo a família, os profissionais de saúde e representantes de outros espaços onde a criança encontra-se inserida, como por exemplo a escola e se faz necessária. Com a construção dessa ponte é possível realizar um cuidado integral e que proporcione o desenvolvimento das potencialidades da criança.
Referências
FISBERG M. Editorial: Feeding difficulties in children and adolescents. Front Pediatr. 2018;6(May):1–2.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Departamento Científico de Alergia. Alergia alimentar e Transtorno do espectro autista: existe relação? Documento científico: Nº 2, Agosto de 2017
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